Governança em Cooperativas x Empresas Tradicionais: um paralelo necessário
- Eduardo Dada
- há 2 dias
- 7 min de leitura

A governança é o alicerce que sustenta qualquer organização seja ela uma empresa tradicional ou uma cooperativa. É por meio dela que se define como o poder é exercido, como as decisões são tomadas e como se garante a transparência e a responsabilidade na gestão. Em essência, a governança estabelece o conjunto de práticas que orientam a relação entre os diversos agentes de uma instituição: dirigentes, associados, colaboradores e sociedade.
No ambiente empresarial, a governança corporativa surgiu como resposta à necessidade de proteger o capital investido e mitigar conflitos de interesse entre gestores e acionistas. Estruturas como conselhos de administração, auditorias independentes e códigos de conduta buscam assegurar que as decisões estratégicas maximizem valor e minimizem riscos. É, portanto, uma governança orientada ao resultado econômico e ao retorno sobre o investimento.
Já no universo cooperativista, a lógica é diferente e, ao mesmo tempo, mais complexa. A Lei 5.764/1971, que define a Política Nacional de Cooperativismo, estabelece que uma cooperativa é uma sociedade de pessoas, e não de capital. Isso significa que o foco da governança não é o lucro, mas o equilíbrio entre eficiência econômica e propósito social. A governança aqui assume um papel duplo: garantir a viabilidade empresarial e preservar os princípios cooperativistas, como participação democrática, autonomia e intercooperação.
Enquanto a empresa tradicional busca resultados para acionistas, a cooperativa busca prosperidade compartilhada entre os cooperados. Essa diferença de finalidade exige um modelo de governança mais inclusivo, que combine disciplina empresarial com valores coletivos, transformando cada cooperado em protagonista das decisões.
No cenário atual, em que as cooperativas competem lado a lado com grandes corporações, adotar práticas sólidas de governança é mais do que uma exigência técnica é um imperativo estratégico. A governança cooperativa moderna precisa unir o rigor do mercado à essência da cooperação, para garantir que nossos negócios sejam sustentáveis, éticos e, acima de tudo, humanos.
Governança na Empresa Tradicional
Nas empresas tradicionais, a governança corporativa se desenvolveu como um sistema de controle, direção e monitoramento voltado principalmente à proteção do capital investido e à maximização do valor econômico. Seu propósito central é assegurar que os gestores ajam em conformidade com os interesses dos proprietários, os acionistas.
A estrutura é hierarquizada e centrada em relações de propriedade e poder decisório proporcional ao investimento. O acionista que detém mais cotas ou ações possui maior influência sobre as decisões estratégicas e sobre a escolha dos dirigentes. É uma lógica racional, baseada na meritocracia financeira: quanto maior o risco de capital assumido, maior o direito à influência e à recompensa.
A governança empresarial moderna se ancora em quatro pilares reconhecidos globalmente, transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa conforme difundido pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Esses princípios regem a relação entre conselho de administração, diretoria executiva, auditoria independente e partes interessadas, buscando equilíbrio entre rentabilidade e sustentabilidade.
No entanto, é importante reconhecer que, no ambiente empresarial, a governança é orientada por métricas de performance. O foco recai sobre indicadores financeiros, margens de lucro, retorno sobre o patrimônio líquido e valor para o acionista. Essa perspectiva, embora eficiente do ponto de vista econômico, tende a reduzir o papel social da organização, tratando pessoas, muitas vezes, como recursos produtivos e não como parte viva do processo.
Por outro lado, as boas práticas empresariais oferecem aprendizados valiosos às cooperativas. A clareza de papéis, os mecanismos de auditoria, os controles internos e a disciplina estratégica são elementos que fortalecem qualquer instituição, inclusive as de natureza cooperativa. O desafio, portanto, não está em rejeitar o modelo empresarial, mas em reinterpretá-lo à luz dos valores cooperativistas, para que a eficiência de mercado sirva ao propósito coletivo e não o contrário.
A empresa tradicional nos ensina o rigor da gestão. A cooperativa, por sua vez, nos ensina o sentido do pertencimento. Unir essas duas visões é o ponto onde a governança atinge sua forma mais evoluída: profissional na estrutura, mas humana na essência.
Governança em Cooperativas
Nas cooperativas, a governança assume um papel ampliado: além de assegurar a eficiência operacional e a sustentabilidade financeira, ela é responsável por preservar a identidade cooperativista e o equilíbrio entre o propósito social e a disciplina empresarial.
Diferente das empresas tradicionais, o poder não é proporcional ao capital investido, mas sim ao princípio da gestão democrática um cooperado, um voto. Esse formato reflete a essência da Lei 5.764/1971, que reconhece as cooperativas como sociedades de pessoas e não de capital. O resultado é uma estrutura de governança que busca alinhar interesses diversos sob um mesmo propósito coletivo, garantindo que as decisões sejam tomadas de forma participativa e representativa.
A governança cooperativa se organiza, em geral, em três instâncias principais:
Assembleia Geral — órgão máximo de deliberação, onde os cooperados aprovam contas, elegem dirigentes, definem políticas e avaliam resultados. É o espaço da soberania democrática.
Conselho de Administração — responsável por definir estratégias e zelar pela execução das diretrizes aprovadas pela assembleia. Atua como ponte entre a base social e a gestão executiva.
Conselho Fiscal — exerce o controle independente da administração, reforçando a transparência e a confiabilidade das informações financeiras.
Esse arranjo garante a legitimidade das decisões e a credibilidade institucional, mas também impõe desafios de coordenação, representatividade e eficiência. A governança moderna precisa ser capaz de traduzir o ideal democrático em processos ágeis e técnicos sem perder o espírito participativo que diferencia o cooperativismo.
Outro ponto crucial é que a governança cooperativa exige profissionalização sem descaracterização. Profissionalizar não significa transformar a cooperativa em empresa tradicional, significa estruturar processos, adotar métricas de desempenho, garantir compliance e elevar o padrão de gestão, mantendo a essência humana e comunitária que sustenta o movimento cooperativo.
Quando bem implementada, a governança nas cooperativas fortalece três pilares:
Confiança: assegura que o cooperado se sinta representado e informado;
Continuidade: reduz riscos de decisões personalistas e assegura perenidade institucional;
Credibilidade: aumenta a capacidade de atrair parceiros, crédito e reconhecimento do mercado.
Portanto, governar uma cooperativa é um ato de equilíbrio constante: entre o técnico e o humano, o coletivo e o eficiente, o propósito e o resultado. É entender que, no cooperativismo, a boa gestão não é apenas medir desempenho, mas também cultivar pertencimento.
Por que a Governança Cooperativa Demanda Atenção Especial
A governança nas cooperativas é mais do que uma exigência técnica ou normativa, é um compromisso ético e estratégico com a essência do próprio cooperativismo. Ela não existe apenas para controlar, mas para dar sentido ao poder compartilhado e garantir que as decisões reflitam o interesse coletivo, e não individual.
Diferente das empresas tradicionais, onde o foco é a maximização do lucro, nas cooperativas o centro de gravidade está no equilíbrio entre resultado econômico e impacto social. Essa natureza híbrida, sociedade de pessoas, mas com atividade empresarial, exige um modelo de governança singular, capaz de unir eficiência de gestão e fidelidade aos princípios cooperativos.
A atenção especial à governança decorre de três fatores centrais:
Multiplicidade de interesses: cooperativas reúnem perfis diversos de associados, com expectativas, realidades econômicas e níveis de engajamento distintos. A governança deve harmonizar essas vozes, evitando a concentração de poder e assegurando decisões representativas.
Dupla natureza jurídica e econômica: ao mesmo tempo em que é uma entidade sem fins lucrativos, a cooperativa precisa operar com rigor empresarial, gerar sobras e reinvestir de forma sustentável. Isso requer mecanismos sólidos de gestão, auditoria e controle interno.
Responsabilidade coletiva: o sucesso ou o fracasso da cooperativa não pertence a um investidor isolado, mas a toda a comunidade de cooperados. Logo, a governança precisa criar instrumentos de accountability que garantam confiança, previsibilidade e continuidade institucional.
Além desses fatores, há um desafio contemporâneo: a profissionalização da gestão sem o afastamento da base social. É preciso qualificar dirigentes e executivos, adotar práticas de compliance, planejamento estratégico e gestão de riscos, mas sem romper o vínculo democrático com os cooperados. A governança moderna deve ser técnica na execução e humana na escuta.
Outro ponto essencial é o da transparência ativa. Uma cooperativa que comunica mal governa mal. Os fluxos de informação entre conselhos, diretoria e cooperados precisam ser constantes, compreensíveis e auditáveis. Isso fortalece a confiança, evita ruídos e transforma o cooperado em participante real, não apenas em expectador.
Por isso, governar uma cooperativa é um exercício permanente de equilíbrio entre governabilidade e legitimidade. Governabilidade para agir com eficiência; legitimidade para agir com propósito. Quando esses dois pilares coexistem, a governança deixa de ser apenas um instrumento administrativo e se torna o motor da cultura cooperativa, transformando princípios em práticas e propósito em resultado.
O Compromisso do Líder Cooperativista
A governança, em sua essência, é o reflexo da liderança. Nas cooperativas, isso se torna ainda mais evidente, porque liderar é servir, e servir, neste contexto, é criar as condições para que cada cooperado exerça seu papel de dono e de participante ativo da construção coletiva.
O líder cooperativista precisa compreender que sua função vai além da gestão operacional. Ele é guardião de princípios, mediador de interesses e catalisador de propósito. Sua missão não é apenas entregar resultados financeiros, mas garantir que esses resultados expressem o valor social do empreendimento.
Num ambiente empresarial cada vez mais competitivo, a cooperativa que prospera é aquela que alia disciplina de gestão à coerência de valores. Isso significa adotar práticas sólidas de governança, conselhos ativos, regras claras, transparência nos processos e planejamento estratégico, sem abrir mão do vínculo humano que sustenta o cooperativismo desde suas origens.
O desafio é não permitir que a burocracia substitua o pertencimento. As boas práticas de governança não devem engessar, mas sim dar fluidez e segurança às decisões. Elas são o que transforma o senso coletivo em inteligência organizacional, e o propósito em resultado.
Ser líder em uma cooperativa é compreender que o capital mais valioso é a confiança, e que ela não se compra, se constrói, todos os dias, com coerência, transparência e participação.
Como costumo dizer: uma cooperativa bem governada é aquela em que os cooperados dormem tranquilos, os gestores decidem com clareza e a comunidade reconhece valor em sua existência. É nessa interseção, entre eficiência e propósito, que mora o verdadeiro espírito cooperativista.


